Evolução da prototipagem de produtos

Uma vez em uma mesa de bar, o Rafa (um amigo engenheiro civil) soltou uma máxima: “melhor apagar com a borracha na prancheta, do que na obra com a marreta”. Tive a oportunidade de passar o outro dia ruminando essa ideia, enquanto apreciava uma ressaca horrível e essa ideia me atravessou de uma forma, que eu a trago comigo e tem um impacto em quase tudo o que faço, principalmente se tratando de design.

Para quem trabalha na área de produto, não é novidade nenhuma que os protótipos são essenciais para validar ideias e testar funcionalidades antes do lançamento. Eles ajudam a economizar tempo e dinheiro, identificando e corrigindo problemas antes que o produto seja lançado no mercado. Além disso, os protótipos permitem que as pessoas designers e desenvolvedoras visualizem a ideia do produto de forma mais concreta e facilitem a comunicação entre as partes envolvidas.

Talvez o que tenha me pegado nos dois artigos que vou recomendar aqui, tenha sido o uso de ferramentas e abordagens não convencionais, somado com a expansão das disciplinas de times interdisciplinares. VR, AR, video mapping, bibliotecas de componentes eletrônicos (sim, isso mesmo que você leu, biblioteca de hardware), interação de hardware com Figma através de API, aquecedores de ar ventilados, sons do ambiente de uso, … enfim, vários métodos e ferramentas para se chegar o mais próximo de como a pessoa usuária vai usar o produto no seu dia-a-dia.

Demonstração de uso da API do Figma, para interação com componentes físicos.

No primeiro artigo, Felix Heibeck, apresenta alguns processos de prototipação do seu time, a importância dos protótipos de baixa fidelidade, como eles remodelaram o processo antigo de prototipagem e com isso conseguiram encurtar o caminho entre ideia, entendimento e iteração (eles até deram um outro nome que em tradução literal, seria algo como: prototipagem de experiência de baixa fidelidade).

Nesse artigo os três pontos que mais chamaram minha atenção foram:

1. Bodystorming, é tipo um brainstorming, mas como você deve ter imaginado, é um exercício de ideação mais físico, que trabalha através de cenários, fluxos de pessoas usuárias e contexto. Aqui é usado o MadMapper para projetar através de video mapping as telas do Figma em uma maquete de papelão, transformando o exercício em uma sessão de experimentação colaborativa.

“À medida que a equipe apresenta um cenário e cria ideias de interface, um membro rapidamente as esboça e as projeta(video mapping). Ideação, teste e iteração em interfaces acontecem na hora. Embora protótipos complexos possam retardar a ideação, essa configuração se torna uma tela interativa que nos permite experimentar nossas ideias diretamente.”

Pessoas designers interagindo e iterando com protótipo usando video mapping.

2. Prototipagem de toda a experiência, não apenas o produto, lembrando sempre que seu produto é apenas uma parte da experiência. Considerar o contexto das pessoas usuárias é crucial para projetar e testar conceitos com precisão. Como nem sempre se pode estar no ambiente real, tente recriar o contexto (o mais próximo possível) como parte dos protótipos. A Realidade Virtual entra como uma ótima ferramenta que permite colocar até mesmo projetos grandes em uma variedade de ambientes e cenários simulados.

Pessoas usando óculos de realidade virtual, interagindo com cenários que imitam o ambiente de uso do produto.Pessoas usando óculos de realidade virtual, interagindo com cenários que imitam o ambiente de uso do produto.

Pessoas usando óculos de realidade virtual, interagindo com cenários que imitam o ambiente de uso do produto.

3. Os protótipos precisam equilibrar entre uma apresentação polida e uma ferramenta para exploração contínua, ou autor chama isso de "manter simples e sexy". Além de experimentar, aprender e validar ideias, protótipos costuma ser ferramentas de comunicação entre as partes interessadas (principalmente pra os C-Levels), é aqui existe o perigo de aumentar a fidelidade dos artefatos para gerar wireframes bonitos, mas em contra partida perdendo a agilidade nas iterações e engessando o processo, pois quanto mais parecido com o produto final, menos a vontade as partes interessadas se sentem em pedir alterações.

Pessoa testando protótipo, construído de espuma, papelão e com projeção mapeada.

O segundo artigo mostra como uma equipe da Ford usou métodos não convencionais para projetar o Bronco, um modelo de carro off-road. Além de terem criado componentes com espuma rígida ao invés de argila para prototipar (algo bem parecido com bibliotecas de componentes) o que mais me chamou atenção aqui foi a aplicação de conceitos de design centrado no usuário.

Componentes criados com espuma rígida, dispostas no chão ao lado do protótipo do carro.Componentes criados com espuma rígida

Para quem trabalha com produtos digitais, talvez não tenha nenhuma novidade aqui, pois após o UX ganhar notoriedade nos últimos anos, construir produto digitais sobre essa ótica já faz parte do processo, mas não é assim em todos os campos do design.

“Nós tiramos o trabalho do estúdio de design ultra-secreto e mergulhamos nos ponto turístico e sons de um deserto remoto ou de uma floresta do norte - tudo sem ter que sair do Centro de Desenvolvimento de Produtos Ford em Dearborn". Paull Wraith - Chefe de design do Bronco

Storyboarding contando um caso de uso do produto.

Desenho com uma pessoa usando o carro no seu dia-a-dia.

A equipe composta por mais de 100 pessoas de diferentes áreas, incluindo engenharia, marketing, pesquisa de mercado e até mesmo hobbistas de off-road, passou meses pesquisando e ouvindo os clientes para entender suas necessidades e desejos em relação a um veículo off-road, bem provável que dessa abordagem tenha surgido o abridor de garrafas encontrado na área da porta traseira (eu achei genial).

Para imitar cenários off-road da vida real, a equipe recorreu a técnicas de realidade virtual 3D, pequenos ventiladores elétricos e lâmpadas de calor para criar um ambiente realista e reprodução do som dos pássaros através de fones de ouvido para dar aos testadores a experiência mais autêntica.

Pessoa testando o protótipo, usando óculos de realidade virtual, com sons do ambiente de uso e até um ventilador.

Pessoa testando o protótipo, usando óculos de realidade virtual, com sons do ambiente de uso e até um ventilador.


Nos dois artigos, além de ficar claro a importância da prototipagem e as equipes interdisciplinares, também fica em evidência como a abordagem colaborativa em prototipos de baixa fidelidade permitiu que as equipes trabalhassem de forma mais eficiente e o processo de prototipagem e testes permitiu que a equipe iterasse rapidamente sobre o design do produto.

Em síntese, os dois artigos deixam em evidência a importância da colaboração em equipes interdisciplinares, protótipos de baixa fidelidade permitem a iteração mais rápida e simular o ambiente real de uso, torna os testes mais assertivos.

Referências:

  1. Prototyping Product Experiences
  2. Watch How Ford's Unorthodox Design Methods Helped Create The Bronco